Estudantes do ensino fundamental das escolas públicas de tempo integral da cidade de Tianguá, no Ceará, desde a última segunda-feira (18), estão sem almoço. Embora estejam matriculados no modelo de jornada ampliada, na hora desta refeição específica, cerca de 1.600 alunos de 23 escolas de tempo integral precisam retornar para casa para se alimentarem.
A Secretaria Municipal de Educação de Tianguá argumenta que a medida é temporária e ocorre devido à falta de verba. O Ministério Público Estadual do Ceará disse, sexta-feira (22), que recebeu a denúncia sobre o caso e aguarda documentação dos denunciantes para formalizar o acompanhamento.
Na cidade, que tem 15 mil alunos na rede pública municipal, segundo disse ao Diário do Nordeste, na sexta-feira (22), a titular da Secretaria de Educação, Ana Vládia Moreira, a comunidade escolar sabe da situação desde a sexta-feira (15) anterior, quando os diretores das escolas foram comunicados da decisão. Na data, explica ela, foi solicitado que eles repassassem a informação aos pais e responsáveis.
A situação na rede municipal é ainda mais crítica nos casos de estudantes que moram distante das escolas, pois, conforme admite a própria secretária da educação, esses não conseguem fazer a refeição em casa e retornar em tempo hábil para a instituição, de modo que têm a jornada escolar ainda mais prejudicada.
A gestão municipal alega que a queda no repasse do Fundo de Participação do Municípios (FPM) e o aumento do número de matrículas no tempo integral têm afetado a capacidade de garantia do custeio da alimentação por completo nas escolas.
A secretária afirma ainda que a oferta do almoço no tempo integral “não é obrigatória” e menciona que a Lei Federal 14.640/2023, recentemente sancionada pelo Governo Federal instituindo o Programa Escola em Tempo Integral, determina apenas a jornada do modelo (tempo igual ou superior a 7 horas diárias ou a 35 horas semanais, em 2 turnos) e não menciona o almoço.
Mas, normativas anteriores, incluindo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a Lei Federal 11.947/2009 (sobre alimentação escolar) estabelecem que a alimentação escolar é um direito dos alunos e o estado deve garanti-lo.
A Lei Federal 11.947/2009 especifica ainda que compete aos governos estaduais e prefeituras realizações para “garantir a oferta da alimentação escolar saudável e adequada” e detalha que isso deve ocorrer "em conformidade com as necessidades nutricionais dos alunos".
CUSTEIO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
No Brasil, a alimentação escolar deve ser custeada pela somatória dos seguintes valores:
Por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Governo Federal, via Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE/MEC) repassa a estados, municípios e escolas federais valores em 10 parcelas (de fevereiro a novembro) para a cobertura de 200 dias letivos, conforme o número de matriculados em cada rede de ensino, de modo a suplementar os recursos próprios aplicados por estados e municípios;
Recursos próprios dos estados e municípios, já que o repasse do Governo Federal tem caráter suplementar, ou seja, deve apenas complementar o custeio e não ser a única ou principal fonte.
Mas, na prática, enquanto alguns estados e municípios cumprem a obrigatoriedade e destinam orçamentos próprios para custeio da merenda, outros têm uma dependência acentuada dos recursos do Governo Federal, o que faz com que os valores repassados não sejam suficientes para garantir a qualidade da merenda.
É repassado pela União a estados e municípios, por dia letivo para cada aluno/a, o valor de:
Creches: R$ 1,37
Pré-escola: R$ 0,72
Escolas indígenas e quilombolas: R$ 0,86
Ensino fundamental e médio: R$ 0,50
Educação de jovens e adultos: R$ 0,41
Ensino integral: R$ 1,37
Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral: R$ 2,56
Alunos que frequentam o Atendimento Educacional Especializado no contraturno: R$ 0,68
Os valores já foram reajustados pelo Governo Federal em 2023, após seis anos sem correção.
EM BUSCA DE SOLUÇÕES
Na terça-feira (19), segundo a presidente do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) de Tianguá, professora Helena de Lima, a entidade esteve presente em uma reunião junto com vereadores e representante da Prefeitura, na qual a secretária explicou a situação.
O CAE é um conselho formado para garantir o controle social da alimentação escolar e reúne professores, pais de alunos, representantes da sociedade civil, dentre outros, na fiscalização da qualidade e recursos financeiros destinados à merenda escolar.
No caso, os alunos em questão, recebem uma merenda pela manhã, retornam para casa para almoçar e recebem outra merenda no turno da tarde.
De acordo com Helena, a “Ana Vladia explicou claramente o porquê dessa suspensão. E ainda pediu aos presentes sugestões de como reverter essa situação”.
Questionada pelo Diário do Nordeste, sobre o que já foi feito, desde então, e se há alguma proposta para o retorno do almoço, a presidente do Conselho disse que, após a reunião com a secretária, o CAE se reuniu no dia seguinte (20) com o contador do município e a prestação de contas do dinheiro que entrou do PNAE e a contrapartida do município, de janeiro a junho, foi apresentada.
Segundo Helena, "foi detectado que o valor que o município investiu foi maior do que o valor repassado pelo PNAE". Como próximo passo, o CAE realizará visitas nas escolas e "de acordo com o cenário que os conselheiros detectaram, marcaremos uma reunião com a secretária e veremos algumas alternativas para esse retorno do almoço", apontou.
O Diário do Nordeste também procurou a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Ceará para questionar o que é possível fazer nesse caso, diante da necessidade de equação da oferta. Mas, nenhum dos dirigentes da entidade tinha disponibilidade para comentar o assunto neste sábado.
Em nota, o MPCE disse, na sexta-feira (22), que, “por meio da Secretaria Executiva das Promotorias de Tianguá, recebeu denúncia acerca da suspensão temporária de almoço para estudantes de tempo integral do município. O MP aguarda documentação dos denunciantes para formalizar o acompanhamento oficial do assunto por parte do órgão ministerial”.
O QUE DIZ A PREFEITURA?
A titular da Secretaria Municipal de Educação, Ana Vládia Moreira, ressalta que “foi uma decisão bem difícil de tomar". "Não queria que tivesse chegado a esse ponto. Mas, não cheguei a uma outra alternativa”, disse.
De acordo com ela, a cidade recebe verbas do PNAE do Governo Federal e não há nada atrasado nessa disponibilidade, mas, ocorre que antes, diz, a complementação que o município precisava fazer era menor e agora há uma demanda maior. Isso, acrescenta ela, devido ao aumento no número de alunos no tempo integral. “Não há como a gestão arcar”, destaca.
Depois da pandemia aumentou muito o valor dos itens (alimentares) da cesta básica e com esse aumento acabou que o município teve que fazer uma complementação bem maior”, garante. Ana Vládia explica as diferenças na oferta de tempo integral na rede municipal em Tianguá:
Em 2022 - 14 escolas em tempo integral com 1.246 alunos matriculados em tempo integral;
Em 2023 - 23 escolas em tempo integral com 1.630 alunos matriculados em tempo integral
No caso do repasse do PNAE, feito pelo Governo Federal, a secretária indica que essa verba é calculada a partir do número de alunos matriculados no ano anterior ao exercício financeiro. O cálculo segue os dados do Censo Escolar realizado pelo Ministério da Educação.
Logo, no caso de Tianguá o aumento de 384 alunos no tempo integral de 2022 para 2023, assim como nas demais cidades brasileiras na mesma situação, não é computado automaticamente. Isso, afirma ela, impacta na garantia da merenda.
“O recurso que a gente recebe do PNAE é sempre referente ao ano anterior, mesmo eu tendo quase 400 alunos a mais eu não estou recebendo por eles ainda esse ano. Porque vem sempre referente ao ano anterior. O município não deixou de receber nenhum recurso do Governo Federal, de forma alguma. A primeira parcela veio com o valor anterior, depois teve um reajuste de mais ou menos 33% e aumentamos, mas mesmo assim, a gente não consegue. Porque hoje a gente recebe 249 mil reais por mês, mas mesmo assim, não consegue porque a média mínima de gasto mensal é 400 mil reais por mês”.
ANA VLÁDIA MOREIRA
Secretaria Municipal de Educação de Tianguá
QUEDA DO FPM
De acordo com ela, outro fator que tem impactado é a queda do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O FPM é a principal receita das maioria dos municípios brasileiros e há uma insatisfação das gestões Brasil afora, nos últimos meses, com o declínio dos valores repassados pelo Governo Federal, sobretudo em julho e agosto, deste ano.
Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), dois fatores têm gerado a diminuição do montante repassado às cidades: a redução na arrecadação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e o aumento de restituições do Imposto de Renda.
O repasse do fundo é proporcional à população local e é atualizado pelos números do Censo Demográfico de 2022. Medidas para socorrer os municípios tramitam no Congresso.
“A gente vem tentando segurar as contas. Porque consideramos que o tempo integral é o melhor caminho, não resta dúvida. Sabemos que a nutrição colabora com a questão da aprendizagem".
ANA VLÁDIA MOREIRA
Secretaria Municipal de Educação de Tianguá
A cidade, diz ela, sequer conseguiu até agosto, aplicar os 25% do orçamento obrigatórios na educação. A queda no FPM em Tianguá entre janeiro e setembro foi de R$ 5,7 milhões, de acordo com ele. Na educação, o reflexo, aponta ela, foi de redução de R$ 1,5 milhão em relação a 2022.
Ela também relata que já foram identificadas situações pontuais em algumas regiões nas quais o translado é um pouco demorado e que “não dá tempo da criança ir em casa e voltar para pegar o turno da tarde”. Nesse caso, a alternativa, diz ela, “é manter essas pessoas na escola”. Esses alunos são de uma região chamada Valparaíso.
Diário do Nordeste