Ceará: Mais de 70% dos adolescentes presentes em unidades socioeducativas são negros



 As unidades socioeducativas do Ceará, gerenciadas pela Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), da Secretaria de Proteção Social (SPS), têm apresentado preocupações alarmantes a órgãos e instituições que tratam acerca dos direitos humanos. Nesta terça-feira (12), será apresentado na Assembleia Legislativa o 5° Monitoramento do Sistema Socioeducativo Cearense. Conforme o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), de um total de 563 adolescentes nas 18 unidades espalhadas pelo Estado, foram entrevistados 123. Destes, 74,2% são pretos ou pardos.

Ingrid Lorena Leite, coordenadora do Núcleo de Monitoramento de Políticas Públicas do Cedeca, afirmou, ao OPINIÃO CE que a Seas, como a principal responsável pela gestão das unidades, deveria articular com outras secretarias meios de enfrentamento ao problema do racismo. A seletividade racial presente nos socioeducativos é estruturada pelo racismo observável nas abordagens policiais, segundo ela. “O corpo negro é visto como esse corpo criminoso. Um adolescente negro já é criminalizado e estigmatizado pela cor da pele”. Sobre como combater tal estigma, Ingrid alertou para quais agentes devem se movimentar.

“Quando a gente fala dessa seletividade racial, exige, não só da Superintendência, mas do Estado do Ceará, reconhecer que esse racismo tem se manifestado nas abordagens policiais e na violência institucional e que a gente precisa de ações concretas”, afirmou.

Como ações concretas, a coordenadora sugere maior investimento para a Secretaria de Igualdade Racial (Seir). “Há um recurso muito ínfimo para a Secretaria. A gente precisa de uma política de combate de enfrentamento ao racismo”, disse. Ela completa, abordando a intersetorialidade em que o tema deve ser tratado. “Ter um mecanismo de prevenção e combate à tortura é muito importante, porque também é um mecanismo que precisa trabalhar com essa dimensão racial”. A articulação dessas ações ajudaria os operadores das políticas a perceberem o racismo como um “grande problema na efetivação dos direitos humanos”.

VIOLÊNCIA NAS UNIDADES

O relatório do Cedeca aponta também que cerca de 80% das unidades socioeducativas do Estado não possuem infraestrutura adequada, além da questão da violência sofrida pelos jovens nos centros socioeducativos cearenses. Entre 2006 e 2022, o órgão aponta para 19 jovens mortos. Mais da metade dos adolescentes relataram já ter sofrido algum tipo de violência na unidade de internação. Entre as denúncias estão ameaças, intimidações, maus tratos, agressões verbais, xingamentos e tortura. Ingrid cobra, ainda, uma maior responsabilização do Estado. “Esses meninos estão sob a responsabilidade do Estado quando estão cumprindo a medida socioeducativa”, disse. “Estar em privação de liberdade não é suspensão de direitos humanos”.

Precisamos de protocolos de combate e prevenção à tortura, precisamos de políticas de prevenção à violência presente hoje no Estado do Ceará.No socioeducativo, como ações articuladas, a gente tem essa ausência”. 

RELATÓRIO

A apresentação do 5° Monitoramento do Sistema Socioeducativo Cearense acontecerá por meio da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Casa. O encontro atende a solicitação do Fórum Permanente de Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (Fórum DCA) e acontece às 14h, no Complexo de Comissões Técnicas da Alece. Este último relatório é específico das unidades de internação e semiliberdade do Estado, realizado pelo Fórum DCA e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente.

A metodologia empregada abrange pesquisa mista, visitas a unidades, entrevistas e análise documental. O monitoramento não se limita à coleta de dados anuais; ele contextualiza questões relacionadas à raça, gênero, educação e saúde mental. Na justificativa do requerimento da audiência, o presidente da comissão, deputado Renato Roseno (Psol), destaca que a CDHC tem acompanhado, de maneira ativa e detalhada, as questões relacionadas ao sistema socioeducativo cearense, por meio do recebimento de denúncias e das constatações obtidas durante as inspeções.

“Temos notificado o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (GMF/TJCE), o Ministério Público, a Defensoria Pública e outras instituições de defesa dos direitos da criança e do adolescente”, explica.

RESPOSTA DO ESTADO

Em nota ao OPINIÃO CE, a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo disse que, em 2023, não registrou ocorrências, assim como situações de crises graves. “As unidades socioeducativas do Estado apresentam metodologia e equipes qualificadas para a prestação de serviço, e que vem atuando para evoluir ainda mais na estrutura física e infraestrutura externa de algumas unidades para atender cada vez mais os padrões do Sinase”, defende.

“Os processos de escolarização integram as ações regulares de atendimento, com execução intermediada com secretarias municipais e Estadual de Educação, em consonância com termo de cooperação técnica e fluxos pactuados em grupo de trabalho com reuniões sistemáticas, contando com representatividade ampliada”.

A partir de 2021, conforme a Superintendência, três escolas regulares da Seduc (uma na capital, uma em Juazeiro e uma em Sobral) foram designadas para atender a especificidade da matrícula de adolescentes e jovens abaixo do corte etário da EJA. Esses adolescentes e jovens permaneciam com matrícula regular nas suas escolas de origem. “Dessa forma, os adolescentes e jovens estudantes em salas de aulas nos Centros Socioeducativos (CS) têm sua matrícula cadastrada em um estabelecimento de ensino da rede estadual ou municipal, credenciado e com cursos autorizados e reconhecidos pelos respectivos Conselhos de Educação”.

“Dados de outubro de 2023 apontam disponibilização de 85 salas de aula para atendimento de jovens em internação provisória e internação, com 433 adolescentes e jovens matriculados na Educação de Jovens e Adultos ou em Ensino Regular. Os jovens em cumprimento de semiliberdade frequentam as atividades de forma externa à unidade”, finaliza a nota.

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